"Sem provas ou confissão, vence quem transmitir mais segurança" (Folha de S.Paulo, 19/2/13)
"Vencerá quem transmitir a sensação de ter feito justiça" (Folha de S.Paulo, 22/3/13)
Lendo os títulos acima, fica a impressão de que a defesa precisa provar que o acusado é inocente ou, pior, que é possível condenar alguém sem provas.
Se isso fosse verdade, o trabalho do advogado de defesa seria muito mais difícil do que de fato é. Na verdade, seria impossível. Afinal, como é que se poderia provar que alguém é inocente? Não dá. Exceto se vivêssemos em um mundo no qual as pessoas estão sob vigilância todo o dia. Assim como não se pode provar a honestidade de ninguém, não há como provar sua inocência. O que se pode tentar provar é a culpa.
Por isso é o Ministério Público (acusação) quem precisa convencer os jurados que o acusado é culpado. À defesa, basta conseguir gerar dúvidas a respeito das provas usadas pela acusação. Ela não precisa provar que o acusado é inocente: basta mostrar que ele pode não ser o culpado. Isso mesmo: ‘pode não ser o culpado’ porque, em direito penal, impera o princípio do in dubio pro reo: na dúvida, é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente.
Se vale uma analogia, em direito penal o trabalho da defesa é como o trabalho de um goleiro: basta defender os chutes dos atacantes do outro time. Ele não precisa também ser responsável por fazer gol porque, se empatar, ele vence o campeonato.
Isso não quer dizer que o trabalho da defesa seja sempre o mesmo. Algumas defesas são muito mais difíceis do que outras.
Se a acusação é baseada em provas indiretas ou circunstanciais, como vestígios de sangue, gritos ouvidos pela vizinha ou uma briga presenciada dias antes do crime, o trabalho é relativamente fácil: basta mostrar que aqueles fatos podem não estar relacionados ao crime.
Se a acusação é baseada em provas diretas, como testemunho de pessoas presentes na cena do crime ou uma aparente confissão, a defesa é mais complicada já que o argumento da acusação é muito mais forte.
Mas mesmo que o réu tenha confessado a autoria do crime, não é impossível absolvê-lo. Ele pode, por exemplo, ter agido em legítima defesa, estado de necessidade, enquanto suas faculdades mentais estavam comprometidas. Ou pode mesmo ter confessado sob tortura, coagido por outra pessoa ou tentando proteger o verdadeiro autor.
Mas digamos que há testemunhas, confissão válida e outras evidências. O réu é de fato culpado e o advogado de defesa sabe que não há possibilidade de absolvê-lo. É aí que entra o outro papel fundamental da defesa, e talvez o mais difícil deles: a defesa não serve apenas para absolver o réu; ela serve também para garantir que o réu receba uma pena justa.
Nesse caso, cabe à defesa mostrar ao tribunal que havia circunstâncias atenuantes ou que permitam a diminuição da pena, ou que o crime pelo qual ele está sendo julgado não é o crime que ele cometeu (a chamada desclassificação do delito), que o réu não tinha ciência absoluta do que estava fazendo no momento do crime ou mesmo que ele ajudou na elucidação do delito.
Enfim, advogados de defesa terão a tendência natural de dizerem que seu trabalho é mais difícil que o da acusação, e vice-versa. O fato é que todos somos inocentes até que se prove em contrário. Na prática isso significa que o trabalho de ambos os lados é igualmente árduo e varia dependendo da qualidade das provas acusatórias e das contraprovas da defesa. Mas isso não inverte o ônus da prova: cabe à acusação provar a autoria do crime pelo réu. Sempre. E não se pode condenar alguém sem provas. Nunca.
O ônus da prova e a presunção de inocência existem não porque somos bozinhos, mas porque somos criaturas lógicas. Se não dá para provar que alguém é inocente, devemos presumir que ele é inocente (regra) e se alguém quiser provar a culpa (exceção), que o faça.